quarta-feira, 2 de novembro de 2016

O sentido da palavra "corporações": uma resposta ao texto de Marcos Lisboa.

Eu sou professor da Educação Básica do Colégio Pedro II e escrevo este texto para comentar as considerações de Marcos Lisboa no texto A PEC 241 e os gastos com educação. Faço isso não para atacar ou interditar o debate. Muito pelo contrário: vejo em Marcos Lisboa um economista claramente comprometido com o crescimento sustentável da economia. Um exemplo claro disso é sua constante crítica aos subsídios aos grandes empresários dados por qualquer governo. Entretanto, o texto em questão foge da análise econômica e trata do serviço público a partir de um termo equivocado, nada científico, usado apenas para despertar preconceito: "corporações".  Porém, antes vamos ao meu caso.
Tenho 30 anos, estou terminando o Doutorado e dou aula há quase uma década. Já trabalhei em escolas de ponta do ensino privado carioca e hoje trabalho com Dedicação Exclusiva para o setor público. Faço isso não por uma vocação sonhadora de mudar o mundo e a vida de alunos pobres.  Estou no setor público, pelo contrário, porque, na minha profissão, analisei o custo benefício e acreditei que vale trabalhar no sistema de ensino básico federal. Tenho desvantagens: meu salário é fixo. Poderia ganhar, em absoluto, mais na rede privada se eu trabalhasse mais horas.  Se eu me endividar, por exemplo, demorarei mais tempo para me recuperar. Porém, sem dúvidas, o meu ganho é relativamente alto e tenho mais tempo livre. Portanto, na relação custo benefício, acho que vale.  Até hoje pelo menos.
Nesse sentido, estou dentro daquilo que Marcos Lisboa denominou corporações. Mas por que esse termo é tão pouco científico, preciso e desperta apenas o preconceito? Ele generaliza. Um técnico administrativo de Universidade Federal que ganhe 2 mil reais é colocado no mesmo cesto que um juiz que ganhe, acumulando, mais de 100 mil (ilegalmente, diga-se de passagem). O termo é eficiente naquilo que se propõe: ele evita discutir realmente o que é e o que não é privilégio no serviço público.
Portanto, ficamos assim: a PEC 241 vai evitar os aumentos abusivos de servidores, das grandes corporações que atacam o serviço público e drenam o dinheiro do Estado. Porém, quanto tem sido o reajuste médio do servidor? De acordo com o Texto Comentários sobre a PEC 241, de Roberto Ellery, defensor da PEC, desde 2011 o governo tem desvalorizando o salário do servidor em média, com reajustes menores do que a inflação. Com a PEC 241, isso continuará. Marcos Lisboa inclusive assinala isso em seu texto.
Agora voltamos a mim. Com essa tendência de queda, em dez anos, pelo menos, da vigência da PEC, para manter meu padrão de vida, é provável que eu volte para a iniciativa privada. Participo de uma elite no Brasil, tenho consciência disso. Naturalmente, pelas leis do mercado, buscarei um custo benefício melhor em meu trabalho, como qualquer cidadão. Como já tenho experiência e uma carreira solidificada, conseguirei com alguma facilidade essa transição. Sou um bom professor, faço o trabalho tradicional, não falto e consigo bons resultados em geral.
O Colégio Pedro 2 é cheio desse tipo de professor. Os resultados presentes em referência abaixo apontam um IDEB bem acima da média nacional e da meta do governo no Fundamental I, no qual alunos só entram por sorteio. Acredito que não só eu seguirei esse caminho. Outros professores, naturalmente, pelas leis do mercado, farão o mesmo. Somos profissionais. Não somos salvadores da pátria. Daremos aulas em escolas onde os filhos e netos de Marcos Lisboa costumam estudar. Trabalharemos um pouco mais, mas teremos também salários melhores. Acredito que algo similar acontecerá com professores universitários federais. Agora olhe bem para esse quadro. Não somos exatamente nós os maiores prejudicados.

Texto de Marcos Lisboa: http://www.alfaebeto.org.br/a-pec-241-e-os-gastos-com-educacao-por-marcos-lisboa/
Texto de Roberto Ellery: http://rgellery.blogspot.com.br/2016/10/comentarios-sobre-pec-241.html?utm_source=twitterfeed&utm_medium=twitter

Resultados do IDEB do Colégio Pedro II: http://www.cp2.g12.br/ultimas_publicacoes/1769-cpii-apresenta-desempenho-positivo-no-ideb-2013.html

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